Encíclica do Papa Bento XVI
sobre
o amor cristão
Frei
Boaventura Kloppenburrg, O.F.M.
doutor em teologia e bispo emérito de Novo Hamburgo
A primeira Carta Encíclica do Papa
Bento XVI, que começa com as palavras tomadas de 1Jo 4,16 “Deus é amor”, de
fato não é um documento sobre o Eterno Amor Imanente em Deus, mais ou menos no sentido da teologia
trinitária de Ricardo de São Vitor (+ 1172), de São Boaventura (+1274) ou mesmo
do atual Catecismo da Doutrina Católica, que no n. 221, depois de citar 1Jo 4,
8.16, ensina: “O próprio Ser de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos
tempos, seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela seu segredo mais
íntimo: Ele mesmo é eternamente intercâmbio de Amor: Pai, Filho e Espírito Santo, e destinou-nos a
participar deste intercâmbio”. No latim da edição típica o texto, que o Papa
conhece muito bem, ficou assim: “Ipsum Dei Esse est amor. Filium Suum
unicum et Spiritum amoris in plenitudine temporum mittens, Deus
Suum summe intimum revelat secretum. Ipse aeterne est amoris commercium: Pater, Filius et Spiritus Sanctus, nosque
destinavit ut huius simus participes”.
1. Bento XVI prega o amor cristão
A
Encíclica de Bento XVI não toma conhecimento do citado texto; pois o assunto de
sua Carta não era o Amor ou a Agape em Deus, mas simplesmente o amor cristão
entre os seres humanos inteligentes e livres. Devemos com efeito distinguir
nitidamente entre o Eterno Essencial e Imanente Amor (Agape entre o Pai, o
Filho e o Espírito Santo) e o amor agora denominado “econômico”, originado do Amor Imanente, que
Deus oferece de modo misterioso e gratuito a certas criaturas. Este amor
econômico é expressado com as palavras de Jo 3,16: “Deus amou de tal modo o
mundo, que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n’Ele crer... tenha a
vida eterna”.
O
amor econômico é posterior ao Imanente e dele deriva. Nada acrescenta ao Amor
Imanente em Deus, que em si e por si é perfeito e acabado. Podemos imaginar o
Amor Imanente em Deus sem nenhuma forma de amor econômico, que será para qualquer criatura, angélica ou
humana, totalmente indevido e gratuito.
Será sempre e em todo o tempo dádiva graciosa.
Para
nós a palavra amor tem um vasto campo semântico: fala-se do amor da pátria, amor à profissão,
amor entre amigos, amor ao trabalho, amor entre pais e filhos, entre irmãos e
familiares, amor ao próximo e amor a Deus. Em toda a gama de significados que
nas criaturas humanas esta palavra possa ter, sustenta o Papa, o amor entre o
homem e a mulher, no qual concorrem indivisivelmente corpo e alma e se abre ao ser humano uma promessa de felicidade
que parece irresistível, sobressai como arquétipo de amor por excelência, de
tal modo que, comparados com ele, à primeira vista todos os demais tipos de
amor se ofuscam.
Mas
então surge a pergunta: não estaremos utilizando a mesma palavra para
designar realidades totalmente diferentes?
Aqui,
no n. 2, o Papa lembra a distinção entre três palavras gregas para exprimir o
amor: o Eros (o amor de apetência e complacência), a Filia (o amor de amizade e
benevolência) e a Agape (amor de transcendência e preferência). O Antigo
Testamento grego usa só duas vezes a palavra Eros e o Novo nunca, preferindo o vocábulo Agape, que na língua grega clássica era quase
posta de lado. Esta total marginalização no Novo Testamento do vocábulo Eros,
com a nova visão do amor que se expressa pela palavra Agape, denota sem dúvida uma novidade do
cristianismo na compreensão do amor. Podemos falar com razão, como o faz Bento
XVI, do “amor cristão”. Se bem contei, o conjunto dos livros do Novo Testamento
usa 141 o verbo agapán, 117 vezes o
substantivo agape e 61 vezes o adjetivo agapetós. Algumas vezes,
como em Jo 21,15-17, a Filia
exprime o significado mais profundo de amizade entre Jesus e seus
discípulos.
2. A degradação do amor (Eros)
.
Na
crítica ao cristianismo que se foi desenvolvendo com radicalismo crescente a
partir do iluminismo, esta novidade foi avaliada de forma absolutamente
negativa: os cristãos teriam colocado
veneno no Eros. O filósofo Nietzsche (+ 1900), citado pelo Papa, exprimiu uma
sensação generalizada quando afirmar que a Igreja, com seus mandamentos e
proibições, tornara amarga a coisa mais
bela da vida. Precisamente lá onde a alegria, preparada para nós pelo Criador e
que nos ofereceria uma felicidade capaz de pressentir algo do Divino, interveio
a Igreja com suas interdições...
Mas,
comprova historicamente o Papa no n. 4,
este envenenamento do Eros já é bem anterior ao cristianismo. Em não poucas
culturas pré-cristãs era até celebrado como força divina, como comunhão com
Deus. A esta forma de religião, que contrasta como fortíssima tentação com a fé no único Deus, o Antigo
Testamento opôs-se com firmeza,
combatendo-a como perversão da religiosidade. Não se rejeitava o Eros como tal,
mas se declarava guerra à sua subversão
devastadora. No templo as prostitutas, que deviam dar o embriamento do Divino,
não eram tratadas como seres humanos, mas serviam apenas como instrumentos para suscitar a
“loucura divina”. Por isso o Eros inebriante e descontrolado não era subida ou
“êxtase” até ao Divino, mas queda e
degradação do homem. Era claro que o Eros necessitava de disciplina, de
purificação, para dar ao homem não o prazer de um instante, mas uma certa amostra
do vértice da existência, daquela beatitude para a qual tende todo o nosso ser.
A
Filia humana, o Eros natural, e a Agape
cristã devem encontrar-se e completar-se
como a graça e a natureza. O anuncio cristão da Agape opõe-se não à Filia mas à
sua banalização, não ao Eros, mas à sua degradação ou transformação em
idolatria. Sempre quando o Eros se torna ídolo, será incompatível com a
mensagem cristã do amor ou com a Agape.
Daí
resultam claramente dois dados: o primeiro é que entre o amor e o Divino existe
algum tipo de relação: o amor promete o infinito, a eternidade, uma realidade
maior e totalmente diferente do dia-a-dia da nossa existência. E o segundo é
que o caminho para tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar
pelo instinto. São necessárias purificações e amadurecimento, que passam também
pela estrada da renúncia. Isto não é rejeição do Eros, não é o seu
envenenamento, mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza..
Propõe
então o Papa esta lição sobre o
amadurecimento do Eros:
Devemos
considerar o ser humano como composto de corpo e alma. O homem torna-se
realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade. O
desafio do Eros pode considerar-se superado quando se consegue esta unificação.
Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma
herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem sua dignidade. E se
ele renega o espírito e considera a
matéria ou o corpo, como realidade exclusiva,
perde igualmente sua grandeza.
Nem o espírito ama sozinho, nem o corpo; é o homem, a pessoa, que ama como
criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se
fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele
próprio. E então o Eros pode amadurecer.
O
modo de exaltar o corpo, hoje, é enganador. O Eros degradado a puro sexo,
torna-se simplesmente uma “coisa” que se pode comprar e vender; antes o próprio
homem torna-se mercadoria. Na realidade isto não constitui propriamente uma
grande afirmação do corpo. Pelo
contrário, então considera o corpo e a sexualidade como a parte meramente
material de si mesmo para usar e explorar com proveito. Uma parte que ele não
vê como um âmbito da sua liberdade, mas antes como algo que, a seu modo,
procura tornar simultaneamente agradável e inócuo. Na verdade, encontramo-nos
diante de uma degradação do corpo humano, que deixa de estar integrado no
conjunto da liberdade da nossa existência, deixa de ser expressão viva da
totalidade do nosso ser, acabando como que relegado para o campo puramente
biológico. A aparente exaltação do corpo pode até bem depressa converter-se em
ódio à corporeidade.
Mas
a fé cristã sempre considerou o homem como um ser uni-dual, no qual espírito e
matéria se compenetram, experimentando ambos precisamente nesta forma
uma nova nobreza. O Eros na realidade quer elevar-nos e conduzir-nos para além
de nós próprios, mas por isso mesmo requer ascese, renúncias, purificações e
saneamentos. Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne
como herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem sua dignidade. E
se ele renega o espírito e conseqüentemente considera a matéria ou o corpo como
realidade exclusiva, perde igualmente sua grandeza. Nem o espírito ama sozinho,
nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama
como criatura unitária, de que fazem parte e corpo e a alma. Somente
quando ambos se fundem numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio.
Só deste modo é que o amor, o Eros, pode amadurecer até sua verdadeira
grandeza.
Faz
parte da evolução do amor para níveis mais altos, para suas íntimas
purificações, que ele procure agora o caráter definitivo: e no sentido da exclusividade
(apenas para esta única pessoa) e no de ser “para sempre”. Temos aqui duas
palavras fundamentais: Eros como termo para significar o amor “mundano”, seria
o amor ascendente ambicioso e possessivo; e Agape como expressão do amor
fundado sobre a fé e por ela plasmados, o amor descendente ou oblativo. Eros e
Agape não devem ser separados. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, na única realidade do amor,
tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral.
O
amor cresce através do amor.
3. A diaconia caritativa é essencial para a Igreja
Ao
anunciar no começo da 2ª parte da Encíclica a diaconia da caridade como dever
essencial da Igreja, entramos certamente na parte mais importante e original do
documento pontifício. O Papa Bento XVI
introduz aqui com inesperada determinação
uma novidade na Igreja. A caridade é definida como um seu elemento essencial.
Pois o amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever para cada um dos fiéis. Mas é
também uma obrigação para a comunidade eclesial inteira. E a todos os seus
níveis: desde a comunidade local passando pela Igreja particular até à Igreja
universal na sua globalidade. Também enquanto comunidade a Igreja deve praticar
o amor. Por isso o amor tem necessidade também de organização enquanto
pressuposto para um serviço comunitário organizado. No seio da comunidade dos
crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam negados a alguém os
bens necessários para uma vida condigna. A Encíclica volta a este tema no final
do n. 25, acrescentando a recomendação do Paulo na Carta aos Gálatas 6,10:
“Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos, mas
principalmente para com os irmãos na fé”. Pois devemos entender que a Igreja é
a família de Deus no mundo. Nesta família não deve haver ninguém que sofra por
falta do necessário. Mas a caritas-agape estende-se também para além das fronteiras
da Igreja. A parábola do bom Samaritano permanece como critério de medida,
impondo a universalidade do amor que se inclina para o necessitado encontrado
“por acaso” (cf. Lc 10, 31), seja ele quem for.
Desde
a criação dos sete diáconos temos o início do ofício diaconal, criado pelos
próprios Apóstolos (cf. At 6, 1-6). Com o passar dos anos e a progressiva
difusão da Igreja, a prática da caridade confirmou-se como um dos seus âmbitos
essenciais, juntamente com a administração dos Sacramentos e o anúncio da
Palavra. Praticar o amor para com as viúvas e os órfãos, os presos, os doentes
e necessitados de qualquer gênero, declara o Papa no n. 22, “pertence tanto à
essência da Igreja como o serviço dos Sacramentos e o anúncio do Evangelho. A
Igreja não pode descurar o serviço da
caridade, tal como não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra”.
E então, no n. 25, Sua Santidade dá este
magisterial e quase solene pronunciamento:
“A natureza íntima da Igreja
exprime-se num tríplice dever: no anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos
Sacramentos (liturgia), serviço da
caridade (diakonia). São deveres que
se reclamam mutuamente, não podendo um
ser separado dos outros. Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de
atividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas
pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência”.
É
certamente este o ponto alto da Encíclica de Bento XVI. Ele coloca a diaconia
da caridade ao lado do dever de anunciar a Palavra de Deus e da obrigação de
administrar os Sacramentos. Já pelo fim do documento, quando fala do dever do
Bispo diocesano (n. 32), repete que “a prática da caridade é um ato da Igreja
enquanto tal e que também ela, tal como o serviço da Palavra e dos Sacramentos,
faz parte da essência da sua missão originária”.
Desde
o século XIX levantou-se contra a atividade caritativa da Igreja esta objeção,
explanada com insistência pelo pensamento marxista: Os pobres não teriam necessidade
de obras de caridade, mas de justiça. A caridade (as esmolas) seria na
realidade para os ricos uma forma de se
subtraírem à instauração da justiça e tranqüilizarem a consciência, mantendo as
suas posições e defraudando os pobres nos seus direitos. Seria melhor criar uma
ordem justa, na qual todos receberiam a sua respectiva parte de bens da terra
e, por conseguinte, já não teriam necessidade das obras de caridade.
Há
neste pensamento alguma verdade. Mas há também não pouco de errado. É verdade que
a norma fundamental do Estado deve ser a prossecução da justiça e que a finalidade
de uma justa ordem social é garantir a cada um a própria parte nos bens comuns.
Mas a aparição da indústria moderna dissolveu as antigas estruturas sociais e
provocou, com a massa dos assalariados, uma mudança radical na composição da sociedade, no seio da qual a
relação entre capital e trabalho se tornou a questão decisiva, questão que, sob
esta forma, era antes desconhecida.
Devemos
admitir que os representantes da Igreja só lentamente se foram dando conta de
que se colocava em moldes novos o problema da justa estrutura da sociedade. Mas
pouco a pouco, principalmente com as Encíclicas sociais, foi-se desenvolvendo
uma doutrina social católica, que em 2004 foi apresentado de modo orgânico no Compêndio da Doutrina Social da Igreja,
redigido pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” e publicado em português
pelas Paulinas, em 2005, com 528 páginas. O marxismo tinha indicado como panacéia
para a problemática social: através da revolução e conseqüente coletivização
dos meios de produção tudo devia caminhar de modo diverso e melhor. Mas este sonho desvaneceu-se.
Além
disso a caridade será sempre necessária, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo
que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor,
prepare-se para suprimir o próprio homem . Pois sempre haverá sofrimento que necessita
de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha
de um amor concreto ao próximo. Um Estado que queira sempre prover a tudo e
tudo açambarcar torna-se uma instância burocrática, incapaz de assegurar o
essencial de que o homem sofredor tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal.
A
afirmação de que as estruturas justas tornariam supérfluas as obras de caridade
esconde uma concepção materialista do homem segundo o qual ele viverá “só de
pão” (Mt 4,4). É um preconceito que
humilha o homem e ignora precisamente
aquilo que é mais especificamente humano. O homem tem e terá sempre necessidade
do amor.
A
justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política. Não sem
alguma ironia o Papa cita no n. 28 este texto do século V, de Santo Agostinho (De Civitate Dei, IV, 40): Um Estado que
não se regesse segundo as normas da justiça, reduzira seus governantes a um
grande bando de ladrões: “Remota itaque
iustitia quid sunt regna nisi magna latrocinia?” Pertence à estrutura
fundamental do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de
Deus (cf. Mt 22,21). Proclamamos com o Concílio (GS 36) a autonomia das
realidades temporais. O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a
liberdade da mesma e a paz entre os aderentes das diversas religiões.
A
justiça é o objetivo e a medida intrínseca de toda a política. A política é
mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos políticos,
como quer que se queira definir a justiça. A doutrina social católica não pretende
conferir à Igreja poder sobre o Estado. Ela deseja simplesmente contribuir para
a purificação da razão e prestar a própria ajuda para fazer com que aquilo que
é justo possa, aqui e agora, ser reconhecido e realizado. A Igreja sabe que não
é tarefa sua fazer ela própria valer politicamente esta doutrina.
A
Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para
realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar
do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. O
Papa insiste neste n. 28: a sociedade justa não pode ser obra da igreja; deve
ser realizada pela política.
Mas
no n. 29 lembra que o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na
sociedade “é próprio dos fiéis leigos”. Estes, como cidadãos do Estado , são
chamados a participar pessoalmente na vida pública. Eles não podem abdicar da
múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a
promover orgânica e institucionalmente o bem comum.
Por
conseguinte “é missão dos fiéis leigos configurar retamente a vida social,
respeitando a sua legítima autonomia e cooperando, segundo a respectiva
competência e sob a própria responsabilidade, com os outros cidadãos”. Estes
fiéis leigos devem também sentir-se animados pela caridade cristã e sua vida
pública há de ser vivida como “caridade social”. Não se esqueçam: “o homem,
além da justiça, tem e terá sempre necessidade do amor” (n.29).
A
mídia tornou nosso planeta menor, aproximando rapidamente homens e culturas
profundamente diversos. Por vezes, afirma a Encíclica no n. 30, este “estar juntos” suscita incompreensões e
tensões. Mas o simples fato de chegar rapidamente ao conhecimento das
necessidades dos homens é também um apelo para partilhar sua situação e suas
dificuldades. Vemos todos os dias quanto se sofre no mundo, apesar dos grandes
progressos no campo científico e técnico. Por isso esse nosso tempo requer uma
nova disponibilidade para socorrer o próximo necessitado. Esta situação coloca
à nossa disposição inumeráveis instrumentos para prestar ajuda humanitária aos
irmãos necessitados, não sendo os menos notáveis entre eles os sistemas
modernos para a distribuição de alimentos e vestuário e também para a oferta de
hábitos e acolhimento. Muitos Estados e associações humanitárias apadrinham iniciativas com tal finalidade,
sobretudo através de subsídios ou descontos fiscais.
Nesta
situação nasceram e se desenvolveram formas de colaboração entre as estruturas
estatais e as eclesiais, que se revelaram frutuosas. Neste contexto formaram-se
também muitas organizações com fins caritativos ou filantrópicos. Um fenômeno
importante é a aparição e difusão de diversas formas de voluntariado, que se
ocupam em pluralidade de serviços. É para os jovens uma escola de vida que
educa para a solidariedade e a disponibilidade de darem não simplesmente
qualquer coisa, mas a si mesmos. Contra a anti-cultura da morte surge também a
cultura da vida. Também nas Igrejas e comunidades eclesiais estão aparecendo
novas formas de atividade caritativa e
ressurgiram antigas com zelo renovado. São formas nas quais se consegue muitas
vezes estabelecer uma feliz ligação entre evangelização e obras de caridade.
Surge assim um novo tipo de humanismo que reconhece no homem a imagem de Deus e
quer ajudá-lo a levar uma vida segundo esta dignidade.
Entretanto,
pouco adiante (letra c do n. 31), o Papa adverte que a caridade não deve ser um
meio de proselitismo. Pois o amor é
gratuito; não é realizado para outros fins. Mas isso não significa que a ação
caritativa deva deixar Deus e Cristo de lado. Muitas vezes é precisamente a
ausência de Deus a raiz mais profunda do sofrimento.Quem realiza a caridade em
nome da Igreja, nunca procurará impor aos outros a fé da Igreja. Ele sabe que o
amor, na sua pureza e gratuidade, é o
melhor testemunho do Deus em que acreditamos e pelo qual somos impelidos a
amar. O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, “deixando falar só o amor”.
Não
esqueçamos que “Deus é amor”: ele se torna presente precisamente nos momentos
da pura agape. O vilipêndio do amor é vilipêndio de Deus e do homem. A melhor
defesa de Deus e do homem está nesta agape. Por isso é dever das organizações
caritativas da Igreja reforçar de tal modo esta consciência em seus membros que
estes, através de seu agir, como também de seu falar, de seu silêncio, de seu
exemplo, se tornem testemunhas do divino Redentor.
É
importante que a atividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e
não se dissolva na organização assistencial comum. Mas com relação ao serviço
que se realiza aos doentes, requer-se a competência profissional. Entretanto só
esta não é suficiente. Pois são seres humanos. Eles necessitam sempre algo mais
que um tratamento apenas tecnicamente correto. Têm necessidade de humanidade,
precisam da atenção do coração. Por isso se exige para os assistentes a
“formação do coração”. Devem ser levados àquele encontro com Deus em Cristo que
neles suscite a Agape e abra o seu
íntimo ao outro de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento
imposto de fora, mas uma conseqüência resultante da fé que se torna operante mediante a Agape
(cf. Gl 5,6).
“Deus
é Amor: quem permanece na Agape continuará em Deus; e Deus estará nele” (1Jo 4,
16). Assim seja.
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